Sunday, November 25, 2007

Romance ainda em elaboração.

Poderia ter sido uma linda história. Assim como os contos felizes, abro-me inteiramente às disposições otimistas de nossas pessoas. O mal é uma característica humana e ela está carregada de outros sentimentos. Desta forma um arco-íris de sinuosidades repele-se no nosso eu. Isto se exterioriza, o eu torna-se nós e tornamo-nos maus.
Pedro não era mau. Era um bom rapaz. Proporcionalmente seu alto porte não condizia com seus defeitos. Alguns poderiam alegar perfeição. Era sólido nos seus relacionamentos, firme nas suas decisões. O mundo era seu e tinha tudo à disposição. Quis a vida torna-lo uma espécie de Franklin Roosevelt e faze-lo atender aos pobres. Grande coração!
Pedro nasceu numa comunidade tranqüila. De tão calma alguns reclamariam da vida extremamente pacata. Porém, a cidade estava rumo ao desenvolvimento. Aos 12 anos, sem entender, ouve as pessoas falando sobre as novas oportunidades que teriam.
- Três fábricas este ano! Vou chamar o Toni pra levar seu curriculum – dizia Dona Flora às suas companheiras de solidão. Apesar de ter cinqüenta anos aparentava uns setenta. Sua utilidade já não servia a grandes propósitos e renegara-se à aposentadoria.
Pedro não nasceu há longo tempo, é quase nosso contemporâneo. Sua pouca idade inocentava-lhe o brilho nos olhos. – Fábrica! Fábrica! Falava pra si contente. - Perguntava-lhe o motivo e não poderíamos esperar por análises sociológicas. Rápido no gatilho dizia sempre - Progresso!
Talvez a palavra estivesse muito em voga. Ou em voga estariam aqueles que abusavam tanto desta palavra. Até nossos convivas consideram a vinda de fábricas um progresso. Confesso que não deixa de ser, mas existe seu limite. É preciso avançar sem que precisemos retroceder em algumas áreas. Infelizmente a cidade de nosso anti-herói estava como um filhote de jacaré. Um grande predador, mas que passa por situações as mais adversas durante suas primeiras fases de vida.
Sua infância foi marcada pela monotonia. Muitos consideram a vida monótona vizinha ao tédio. É inata ao ser humano a capacidade de querer ver-se sempre em apuros e de precisar do perigo como uma forma de dar sentido ou valorizar sua vida. Claro, a maioria não pensa desta forma, é algo instintivo. Pedro não precisa de adrenalina. Ele consegue manter a calma de um monge e respeita seus hábitos. Talvez isto seja um traço de conformismo, mas não era isto que iria diminuir a força de seu caráter.
Sabia disciplinar-se. Freqüentava o colégio pela manhã e à tarde estudava por conta própria. Nunca precisou de reforço escolar. Conseguia um tempo entre o final da tarde e início da noite para jogar futebol com seus amigos. Falta mencionar que era um bom cantor. Às noites apreciava a solidão e cantava para as estrelas. Sentia poder olhar além no espaço e observar quasares a anos-luz.
Não era tímido, apenas não sentia necessidade de beijar várias meninas de sua idade para provar sua masculinidade. Atualmente nossas crianças brincam de beijar, outras vão além e brincam de médico.
Certa vez Pedro, já aos 15 anos, passeava por sua rua - que se estendia de sua casa até sua escola, morava a menos de 300 metros desta; havia uma praça ao lado que ficava na esquina de uma rua com alguns bares e repleta de bêbados – quando viu um conhecido de sua idade ser ameaçado por outros garotos. Sentiu raiva pela covardia e partiu para a briga. No fim levou a pior, mas ganhou um grande amigo: Paulo.
Paulo, 14 anos, é um garoto de estatura média, tendo sete centímetros a menos que Pedro seus 1.65 eram realçados com um grande espírito e aparência saudável. Filho de pai branco e mãe mulata, traços caucasianos prevaleceram. Sua enorme espontaneidade surpreende para a sua pouca idade. De boa fala, argumenta sobre todo tipo de assunto e parecia ter a eloqüência de Cícero. Seu caráter era duvidoso, talvez eu não esteja dispondo de muitas informações sobre isto. Observei, apenas, pessoas comentando sobre seu temperamento, que variava da transcendental calmaria budista à agressividade néscia. Quando acuado pelos agressores eu não poderia descrever perfeitamente seu estado, mas parecia indiferente aos evidentes socos e olho roxo.
Desde então a infância dos dois jovens resumiu-se a passeios pela rua dos bêbados e às rotinas. Algo que virou hábito foi conversar sobre o futuro da cidade com a vinda dessas fábricas. Pareciam ser muito talentosos na arte da falácia.
Jean Jacque Rousseau afirmou que um homem seria fruto do meio. Poderíamos questionar a legitimidade desta idéia, porém, disposições materiais e bom ambiente familiar não são garantias de bom caráter. O homem tende a ser mau e isso aparenta ser uma característica de nascimento, algo da formação do cérebro. Pedro e Paulo possuíam as disposições materiais e bom ambiente familiar. Mas entre os dois poderíamos observar a existência de predisposições ideológicas. Suas vidas poderiam ser trocadas e ainda sim notaríamos que não foram exatamente as duas condições já colocadas que seriam a causa de certos pensamentos. Pedro, apesar de ser um bom sujeito, transparecia certas ambições. Quanto a esta última “qualidade”, todos os homens a possuem e é uma forma, na maior parte dos casos, de dar sentido às suas existências. Paulo raramente executava seu altruísmo e quando o fazia embebido estava de certo prazer; algo como beber quando se está com muita sede ou comer quando se está faminto.
Onde reside a perfeição? Alguns dizem que ela está no amor e outros falam que está na verdadeira amizade. Pode haver amor na amizade, mas perfeição é algo que está longe do ser humano. A amizade de Pedro e Paulo era sólida e transmutava tristezas em felicidades. Os gestos mais inocentes, os aparentes detalhes insignificantes representavam uma força maior nessa amizade que beirava a perfeição. Alguns poderiam acreditar que ali havia o dedo do destino. Prefiro apontar o dedo da casualidade e das conveniências que permitiram o estreitamento dos laços entre a vítima e o anti-herói. Por um lado havia o sentimento protetor e por outro o de gratidão. Inicialmente formaram-se desta forma, porém, ao longo do tempo, foram transmutados e tornaram-se novos sentimentos, duros como a rocha.
Não sou onisciente, portanto, não poderia descrever todos os fatos que cercaram a vida dos dois jovens. Mas considero que seria de grande importância enumerar uma série de fatores que resultaram num futuro não muito esperado a partir do que foi colocado aqui como presente. É preciso ressaltar que, como mero observador apenas, eu interpretei as situações à minha maneira. O senhor (a) pode ter sua própria análise acerca dos dois companheiros e jamais diria que está errado (a). Tenho a oportunidade de aqui mostrar como acompanhei com interesse essa história e emitir o meu jugo, que por sinal pode até estar equivocado. Não pretendo entrar no mérito de qualquer questão com os senhores.


As heranças culturais da pacata cidade impregnaram valores que não são bem conhecidos dos povos das metrópoles. Não que estes últimos sejam desprovidos deles, mas o “progresso” traz retrocessos no campo da moralidade. Os homens constroem conceitos e a partir deles vê o mundo. Eles acabam por gerar modos de se relacionar com a natureza e com os outros homens. Chega um momento no qual o suposto nível de “civilidade” – que seria o ponto máximo de distanciamento dos animais – começa a decair – supostamente decai -, e pouco a pouco o verdadeiro homem assemelhando-se vai a um animal, fazendo jus ao análogo “do pó veio e ao pó voltará”. O homem possui seu corpo privado e o oculta do público, e para este possui o corpo público que é apropriado pela sociedade em suas mais diversas formas como um quadro para exposição. Este corpo equivale ao pensamento ou a suas manifestações entre seus semelhantes. Algumas vezes existe o que pensa e o que quer que os outros pensem. Desta maneira, nunca podemos afirmar uma autencidade. Talvez nossos personagens sejam um tanto ilegítimos neste aspecto. O mesmo poderia afirmar do caro Rodia. Somos aquele que pensamos ou simplesmente o que vemos como reflexo no espelho?

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